quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Caminhada Filosófica

Estava no Shopping, precisava resolver pendências jurídicas no SAC (Serviço de Atendimento ao cidadão que une a um só tempo juizados, cartórios, junta comercial, etc). Não sou muito fã de Shopping, mas admito que é um lugar prático e de certo modo inspirador, considerando as vitrines impecáveis ou a rentabilidade das lojas populares ou mesmo aquelas pessoas que por ali transitam como se fosse seu habitat natural, mas não quero aqui analisar o que muitos chamam de “templo de consumo”, aliás, nem pensava nisso quando avistei uma loja de que gosto muito. Lembrei-me de que queria uma camisa básica, ou mesmo uma camiseta para colocar por sob o blazer e adentrei a loja. O vendedor reconheceu-me, sorriu e aproximou-se prontamente para cumprimentar-me. Não, não sou de bater ponto por ali, muito embora admire bastante as roupas e produtos de lá, o meu bolso é que não admira tanto. Whatever, realmente sei que ele não esquecera a última vez em que estive por lá, mas aí são outros quinhentos. O fato é que lhe pedi para ver o que ele tinha em matéria de “básicas” e ele me disse: “Ah, agora, temos apenas algumas estampadas, talvez não sirvam para o que quer” foi quando eu me deparei com uma estampando a imagem de Ganesha e desabafei:

“Eu tenho de concordar com alguns intelectuais, ‘o que seria do Brasil, sem rede Globo?’, arfff agora tudo é Lord Ganesha, Shakiti, Shanti, Hare Baba!! Quem agüenta?”

Ele riu, mas retrucou: “ Não, não. É apenas uma coleção temática, temos também de outros países, como essa com Camelos em homenagem à Arábia”...

Enfim, que seja, mas concordamos que havia sentido naquela afirmação, pois só havia um único exemplar da homenagem indiana, enquanto todas as outras ainda enchiam a arara...

Mas aí pensando em Camelo, lembrei-me de um livro de Osho* que eu comprara há alguns anos na livraria da Rodoviária, quando fazia a rota Salvador-Alagoinhas semanalmente. Muitas vezes, a única coisa funcionando de manhã cedo além da lanchonete, era o misto de banca de revistas e livraria e, como me ensinara meu amigo Teoda, não havia lugar melhor para se gastar pouco e se informar muito – ainda que superficialmente - do que uma banca de revista. Seguindo esse raciocínio, melhor então seria uma banca-livraria em que se podia, além de ver as capas de revistas e jornais, folhear alguns livros. Melhor também é que eu não estava desempregada (como estávamos à época) e podia comprar alguns exemplares e, assim, ir um pouco além das manchetes, sem contar que sempre dispunha de um certo tempo ocioso antes que meu ônibus chegasse. E naquela rodoviária, eu sonolenta, começava algumas leituras interessantes. Foi assim que conheci esse livro de Osho no qual citava a história do Camelo.

Na verdade, o que Osho nos conta é uma alusão a Nietzsche, que compara as fases evolutivas do homem ao que ele chamava de fase do camelo, do leão e da criança, numa metáfora muito interessante. E nos ensina:

“Cada ser humano tem de absorver e assimilar a herança cultural de sua sociedade – a sua cultura, a sua religião, a sua gente. Ele tem de assimilar tudo o que o passado disponibilizou. Tem de assimilar o passado; é isso que Nietzsche chama de estágio de camelo. O camelo tem a capacidade de armazenar no seu corpo enormes quantidades de comida e água, para sua extenuante jornada pelo deserto.”

E continua explicando que essa é também a situação do individuo humano e quando assimilamos o passado, ficamos livres dele. O que é diferente de memorizar, porque assimilar, tal como fazemos ao assimilar a comida que ingerimos, é não pensar mais nela. Isso porque ela já se incorporou de tal forma em nós que se tornou parte de nós, nosso sangue, nossos ossos, enfim.

O interessante é pensar que ele nos ensina que apesar dessa capacidade impressionante do camelo, isso é apenas o primeiro estágio. Depois ainda temos o estágio do leão, “porque o chega uma hora em que o camelo tem de seguir em frente e tornar-se leão”, é quando ele reage a toda a autoridade. Então o leão é uma reação ao camelo.

Deve ter sido com esse pensamento que saí da loja, a que eu admirava tanto pela capacidade de transformação, pensando no estágio camelo e me propondo a ser o estágio leão. Quando “o indivíduo descobre sua própria luz interior como fonte suprema de todos os valores autênticos” e quando “toma consciência da sua obrigação básica com relação à sua própria criatividade interior” citando agora os trechos de Osho, mas, por óbvio, naquele momento lembrava-me apenas que o estágio do camelo, por ser o da assimilação, não sabe dizer não. E aí volta a frase dos intelectuais. É que problema não é assistir a isso ou a aquilo, ler isso ou aquilo, mas não ter de necessariamente engolir tudo a que se nos oferecem. É termos resguardadas a nossa capacidade de se indignar, de contrapor-se, de rebelar-se... Pensando assim, segui ao SAC.

Pausa.

O melhor, no entanto, foi agora, nesse dia chuvoso, lembrando-me desse episódio, encontrar-me sob essa percepção. Não a de me dizer leão, que nega, que enfrenta, que discorda, que reage, mas na fase da criança, que desponta. Até porque segundo esses pensadores, (Osho ou Nietzsche) as fases do camelo e do leão são passíveis de existirem mutuamente, ainda que ambos entendam ser muito mais comum encontrarmos camelos do que leões. Acrescentam ainda que “do camelo para o leão, trata-se de uma evolução. Do leão para a criança, trata-se de uma revolução.”

Lembrando ainda daquele dia: dirigi-me à Polícia Federal e, como na fase camelo, revelava toda a minha assimilação, vestia-me séria, com terninho preto, básico, discreto, maquiagem e cabelos impecáveis, como se deve proceder a uma postura séria perante uma autoridade. Aí o engraçado que me rio agora, uma hora o leão cansa de rugir, de bradar, é quando ele deixa de RE-agir (andar de ré, de certa forma) e simplesmente agir. Parecia-me feliz porque havia negado a assimilação alheia, acerca das coisas da novela global do momento, mas eu era tão camelo quanto, com relação a minha própria roupa, não fosse pelo fato, pelo detalhe, situação inusitada a que fui exposta.

A funcionária que atendia a uma pessoa que estava ao meu lado, virou-se para mim, inquieta que estava e finalmente destampou: “ei, não saia antes que te pergunte onde você comprou esses óculos lindos” . Mas, ora, ora, sorri. Senti-me lisonjeada, por chamar-lhe atenção para tanto. Ela devia mesmo estar achando uma coisa intrigante, uma pessoa aparentemente toda séria usando ali, óculos coloridos, roxo, lilás, “que cor é essa mesmo?”, perguntou.

Respondi-lhe tranquilamente onde o adquirira – para mim a idéia de autenticidade perpassa bem mais por quem usa e não pela unicidade da peça, (tipicamente uma fase leão em que se nega a portar-se igualmente aos demais) - e então, quando ela sorriu agradecida, completei pretenciosamente natural:

“Lilás é o novo preto.”

E ponto. E dei um sorriso Monalisa. E ainda fiquei ali o tempo ínfimo que me faltava para resolver minha pendência. E saí de lá. E certamente a deixei com alguma dúvida “quem é essa para dizer o que é o novo ou não?” ou como minha amiga Juli, perguntou-me depois:

“Quem disse isso ???”

“Ninguém – respondi. Ou melhor, eu. Eu posso tudo. E se eu quiser que seja o novo preto assim será. Segue-me quem quiser.”

“Ah é você pode, vc saiu na revista....” deu um sorriso maroto.

E rimos juntas.

Mas não por isso, mas por sentir-me na nova fase. Não na dependência do camelo, não na independência do leão, mas na “inocência da pessoa que descobre que não existe nem dependência nem independência. A vida é interdependência”. Nem o “sim”, nem o “não”, nem o “eu”, nem o “você”, mas a consciência do todo.

E no momento lilás dos meus óculos, permiti-me ser não a assimilação do passado, não a reação contra o que pode vir a acontecer, mas simplesmente permiti-me sentir plenamente o presente e pensar deliberadamente, eu decido o que é e o que não é em minha vida. Porque a “criança” simplesmente é.

*Livro do Osho: Liberdade – A coragem de ser você mesmo.
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Texto escrito numa tarde chuvosa de maio de 2009 e postado apenas hoje, agora que tenho um blog. E, mais que isso, tenho uma nova colega de trampo que não pára de me elogiar meus óculos coloridos.

Fica a dica, se a vida não nos dá tantas cores quantas queremos, façamos nós a nossa parte de enxergar através das cores que escolhemos.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Como uma onda no mar...

Quis evitar seus olhos, mas não pude reagir... ok, eu não evitei os olhos azuis, mas evitei (e levitei com) seus olhares e suas observações. Pois bem, eis-me aqui para inaugurar (finalmente!) esse blog.

A idéia de blog como diário pessoal e particular não será de todo abolida, mas dificilmente também será impessoal e público. Digamos que uma ppp. Traduzindo: uma parceria público- privada.

Posso tê-lo, quiçá, não como um Diário Oficial - seja da União, dos Estados, Distrito Federal ou Municípios – mas sim como um Diário Oficioso. Como um ócio gostoso, a La Domenico De Masi. Um diário não-oficial, posto que me sinto impelida a escrever nos dias, momentos e noites menos oficiais de todos, como agora nesta madrugada!

Que seja da União: de propósitos, de bons intentos e inventos, desalentos, atentos ou não; dos Estados: dos mais diversos e paradoxais, desde o estado de percepção total do ser, de imersão plena no mundo e de coesão inabalável com o Universo, até os mais inquietantes estados de dúvidas, indignação, inconformismo ou incompreensão; seja também um diário do Distrito, restrito e reservado, Federal confederado, território do meu coração, ou, finalmente, dos munícipes, com múnus e manus, munido, manualmente feito, como obra de oblação a quem com ele se identificar.

Hoje, celebrei como há muito não fazia, o ritual de Ostara, para receber de braços abertos – e olhos, coração e alma - o florescer da Primavera. Um ritual de prosperidade, fartura e fertilidade, mas, sobretudo, um ritual de equilíbrio. Um marco nas estações do ano em que o dia e a noite se igualam, se completam de forma equânime. E mesmo eu, que não sou tão afeta a maniqueísmos, tenho de sucumbir a certos contrapostos, afinal não existira som / se não houvesse o silêncio / Não haveria luz / Se não fosse a escuridão / A vida é mesmo assim, Dia e noite, não e sim... É também preto no branco!. Como o é, inclusive, e que fique registrado meu encantamento, o apezinho lindo de Manu. E que pode sim ser considerado um templo, não apenas por ter acolhido nossas reverências às deidades da Natureza, mas porque, em sendo lar, é extensão da própria dona que, por sua vez, é igualmente templo em si mesma.

E eu também sendo templo, em tempo de Lua Nova, renovo mais uma vez o ciclo que, exatamente por ser cíclico, é sempre um começo novo. Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia... E se o que recomeça, inova, encanta e nos rouba o fôlego, sabe, é aquela coisa, é melhor não resistir e se entregar.

Então, fiquemos por aqui, que as horas voam e tudo passa, tudo sempre passará, ou como diria Mário Quintana: “eles passarão e eu passarinho”. Sim, eu passarinho, louca para encontrar meu ninho.

Algumas resoluções, algumas definições, mas, sobretudo, aquilo que por ora acredito, ficará aqui registrado. E eu já creio no amor, numa boa e vejo a vida mais clara e farta /repleta de toda satisfação / que se tem direito / do firmamento ao chão. Acredito na vida, pois. Como digo lá meu flog, Sempre é tempo, nunca, não. Nunca é ausência de tempo. E se nunca for certeza, toda certeza vã não sobrará.

Aqui, meu recado. Aqui meu blog, que sempre pairou em mim como uma idéia que existe na cabeça não tem a menor obrigação de acontecer.

Hoje, fazendo um tributo a Lulu, nas citações (inconfundíveis) de seus grandes sucessos, pelo show maravilhoso do findi (20/09,Concha Acústica do TCA) e porque se, de alguma forma, eu não puder fazer o bem ao trazer à tona meus pensamentos, como bem diz nosso querido romântico, para todo mal, a cura.